30 janeiro 2012

Com a "desculpa" da Copa do Mundo...

Querem derrubar mais árvores em Porto Alegre

Todos já tinham conhecimento que com a "desculpa" da Copa de 2014 a cidade seria atropelada por mudanças em leis e que muitas árvores poderiam ser retiradas para dar ainda mais espaço aos automóveis.
Quem imaginou isso não se enganou. Agora muitas árvores da rua Anita Garibaldi estão ameaçadas pelos irresponsáveis pelo futuro das gerações que ainda nem nasceram.
Ouviram os moradores da Anita e entorno?
Ouviram os moradores da cidade? Cabe lembrar que as árvores das ruas da cidade não beneficiam apenas os que nela residem, beneficiam a todos nós!
Protesto da AMOBELA - Foto: Vanessa Melgare

Texto recebido da Associação de Moradores da Bela Vista - AMOBELA:

O TÚNEL DA ANITA GARIBALDI: UMA PROPOSTA EM DEBATE

          O projeto da passagem subterrânea no cruzamento da Rua Anita Garibaldi com a Avenida Carlos Gomes é uma das propostas que integram o conjunto de obras consideradas como necessárias pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, para a melhoria do tráfego na Terceira Perimetral, tendo em vista a Copa de 2014. O referido conjunto de obras inclui as interseções com a Ceará, Plínio Brasil Milano, Cristóvão Colombo e a Bento Gonçalves.  Estas cinco intervenções facilitariam o fluxo de ligação das regiões Norte – Aeroporto – e Sul (Estádio Beira-Rio).
          Assim, o projeto da Trincheira da Anita Garibaldi tem, portanto, como justificativa técnica a eliminação do semáforo no cruzamento com a Av. Carlos Gomes, possibilitando que os veículos que seguem pela Anita Garibaldi, no sentido Centro-bairro, sigam livres sob a Carlos Gomes. Da mesma forma, o fluxo de veículos da Carlos Gomes seguirá livre, sem semáforos.
Foto: Vanessa Melgare/AGAPAN

          A obra implicará em significativos impactos de vizinhança, tais como: transformações na paisagem urbana, comprometimento dos recuos de jardins e no tratamento paisagístico de lotes; alargamento da Rua Anita Garibaldi, com a redução das calçadas, no trecho entre a Rua Pedro Chaves Barcelos e a Alameda Vicente de Carvalho; desapropriações de imóveis e redução de áreas privativas; eliminação de aproximadamente 60 árvores, sendo que algumas espécies classificadas como imunes ao corte; asfaltamento das alamedas que passarão a funcionar como laços de quadra, com o deslocamento do fluxo de veículos para os quarteirões internos do bairro; consequente aumento da poluição ambiental em todos os seus aspectos (ar, sonora e alteração do micro-clima existente, dado o aumento da emissão de gases veiculares e a eliminação da arborização das vias).
Foto: Vanessa Melgare/AGAPAN

          Uma análise superficial desse projeto pontual pode apontar algumas questões importantes, por exemplo: tendo em vista a exiguidade de espaço da intervenção, alguns fluxos direcionais ficarão eliminados, em especial o fluxo de conversão à esquerda da Rua Anita Garibaldi para a Av. Carlos Gomes, exatamente no sentido do Aeroporto. Hoje, esse fluxo é bastante considerável e a sua eliminação vai implicar na busca de outras alternativas viárias que resultarão no aumento da extensão do percurso, no comprometimento de vias de caráter local, internas aos bairros, que passarão a ser alternativas para um fluxo de longa distância.
          Outra questão que nos parece incoerente é o fato de que a Rua Anita Garibaldi está contemplada com uma proposta de alargamento somente até o seu encontro com a Alameda Vicente de Carvalho, uma quadra anterior à Av. Eng. Alfredo Corrêa Daudt, ponto atual de congestionamento. Portanto, mesmo com a proposta do túnel sob a Av. Carlos Gomes, o ponto de gargalo desta via não só permanecerá o mesmo, mas deverá ser intensificado. Acrescente-se, ainda, que nesse ponto de estreitamento ocorrerá a redução das quatro pistas, previstas na trincheira, para duas pistas. A inconsistência da proposta pode ser igualmente apreendida ao se constatar que, além do estreitamento da Anita Garibaldi, o fluxo dos veículos desta rua que hoje convertem à esquerda da Av. Carlos Gomes, no sentido do Aeroporto, não podendo mais fazê-lo, entrarão à esquerda na Av. Eng. Alfredo Corrêa Daudt, com o objetivo de acessarem a Cristóvão Colombo e retornarem à Terceira Perimetral. O percurso ao Aeroporto, portanto, vai ser mais dificultado, e a Cristóvão Colombo deverá receber mais um acréscimo de veículos, aumentando o seu já crônico congestionamento.
          Ainda, a região como um todo aguarda, já há algum tempo, alternativa viária ao maior complexo de shoppings do Estado, com projetos de expansão já aprovados. Da mesma forma, não há definição sobre as alternativas viárias de acesso ao empreendimento Jardim Europa, em franco processo de consolidação e expansão, tendo a Av. Nilo Peçanha - já saturada - como única alternativa viária. Por outro lado, a possibilidade de uma intervenção na área do Country Club não nos parece pertinente, tendo em vista tratar-se de um espaço já consolidado como patrimônio ambiental da cidade, constituindo-se num equipamento de expressão nacional e internacional, importante para o circuito econômico da cidade.
          Outro aspecto que deve ser considerado, em relação à implementação dessa proposta, diz respeito ao risco que a mesma pode representar de agravamento do processo de deterioração e degradação que ocorre atualmente com o espaço da Praça Japão e suas Alamedas. Esse espaço público, reconhecido como um dos mais expressivos da cidade, sob o ponto de vista urbanístico, ambiental e morfológico, vem sofrendo impactos, desde a implantação da Terceira Perimetral, quando passou a ser uma área alternativa para estacionamento dos veículos que dela se utilizam. Qualificado como Área Especial de Ambiência Cultural, a Praça Japão e as suas Alamedas constituem uma referência histórica para os bairros da região, assim como para a cidade como um todo. Certamente, espaços similares a este em outras cidades – no país e no mundo – costumam ser objeto de investimentos do poder público, em manutenção, requalificação e estímulos para a sua proteção.
Foto: Vanessa Melgare/AGAPAN

          A preservação de cenários urbanos preexistentes é uma das diretrizes conceituais propostas pelo atual Plano Diretor da cidade e, certamente, deverá nortear as ações daqueles que dispõe dos recursos públicos destinados à preparação da cidade para a Copa de 2014. Esperamos que, em nome deste evento, não se firam as legislações de planejamento urbano e proteção ambiental, assim como não se desconsidere a participação do conjunto da população nas decisões que já estão sendo tomadas.
           A propósito, a indiferença do poder público em relação à esse espaço público contrasta com a matéria com a matéria divulgada em um jornal da capital, ao ressaltar a preocupação do Sr. Prefeito com a orla: mudar sem mexer. As comunidades residentes nas proximidades da Praça Japão e no conjunto das suas Alamedas agradeceriam a mesma deferência.
          A concepção urbanística da Terceira Perimetral é fruto da utopia racionalista que, décadas atrás, caracterizou o planejamento da cidade, e teve como objetivo definir uma via-expressa, que viabilizasse um percurso rápido de ligação entre as zonas sul, leste e norte da cidade, definindo o sistema de macrozonas que hoje estrutura espacialmente a cidade. Na sua concepção original, a Terceira Perimetral deveria funcionar como um divisor de águas, limitando fisicamente o espaço da cidade que se convencionou chamar Cidade Radiocêntrica – área mais estruturada e composta pelo conjunto de bairros mais consolidados da cidade -, separando-a da Cidade Xadrez - espaço urbano ainda em processo de estruturação, que deveria receber estímulos de ocupação, de consolidação da sua macroestrutura, e de novas atividades urbanas. Como integrantes dessa intensão urbanística, definiam-se os corredores de centralidade (Sertório-Assis Brasil; Anita Garibaldi-Nilo Peçanha; Ipiranga-Bento Goncalves), como marcos estruturadores do espaço urbano de Porto Alegre.
          Acontece que a cidade é dinâmica, e a sua transformação é contínua e historicamente sensível às novas circunstâncias sócio-econômicas e ambientais. A Terceira Perimetral hoje, não pode ser apreendida na sua função original, porque os trechos das vias que a integram se encontram inscritos em diferenciados contextos sócio-espaciais, não homogêneos, e que apresentam diferenciados padrões de uso e ocupação do solo urbano. E isto é próprio da diversidade urbana, aqui e em qualquer lugar do mundo.
           Assim, pretender impor a característica de via-expressa em uma artéria como a Av. Carlos Gomes, por exemplo - que hoje se apresenta como um pólo miscigenado em ambas as suas laterais -, é um contrassenso urbanístico e um completo desconhecimento dos princípios de sustentabilidade urbano ambiental. Revela, ainda, uma completa divergência com a diretrizes propostas pelas sete estratégias definidas no próprio PDDUA, para o desenvolvimento de Porto Alegre. Especialmente, em relação às estratégias de Estruturação Urbana, de Mobilidade Urbana e de Qualificação Ambiental.
          É necessário que se reconsidere a idéia de que a Terceira Perimetral deva ser uma via-expressa, de fluxo rápido. Essa intensão não tem mais sentido porque a cidade cresceu, e a Terceira Perimetral hoje está dentro da cidade. Ela divide bairros em processo de densificação, com intensa atividade residencial e comercial, mesclada com atividades empresariais e de serviços. Essas atividades se relacionam entre si, e cada vez mais a Terceira Perimetral necessitará de interrupções que garantam a travessia de pedestres, com faixas de segurança e acessos ao corredor central de transporte coletivo. Nada poderá impedir a territorialização das relações das diversas atividades humanas, que já estão consolidadas ao longo da via.
          As pessoas residem, trabalham e se mobilizam transversalmente à Terceira Perimetral, e é com isto que o poder público deveria se preocupar: dando melhores condições de segurança; implantando um mobiliário urbano qualificado; tratando da acessibilidade universal; implantando um sistema de transporte coletivo que facilite a mobilidade urbana para o curto e o médio percurso, ao longo da via. Implantando melhoria na iluminação pública, qualificando o passeio, tratando da manutenção da arborização existente, implantando programas de qualificação da paisagem urbana, etc. Em síntese, trata-se de uma outra concepção de cidade, voltada para o fluxo do pedestre – e não só do automóvel -, com a humanização e qualificação dos espaços públicos.
          A nossa sugestão é que se interrompa o processo de licitação para as obras da Trincheira da Anita Garibaldi, e que se viabilize uma discussão mais ampla, com os moradores e com as instituições que estão instaladas na região. Uma discussão técnica para evitar que se comprometam recursos públicos que poderiam ser aplicados em outras obras mais prioritárias para a região, tal como a interseção da Av.Carlos Gomes com a Av. Plínio Brasil Milano.
          Essas sugestões para um debate crítico sobre a proposta em pauta, partem do entendimento de que o planejamento da cidade deve ser tal como é concebido no atual Plano Diretor: um processo dinâmico, retroalimentado e aberto, a ser continuamente reavaliado e readequado às novas realidades que surgem.


Osorio Queiroz Jr.
Arquiteto Urbanista
Presidente da AMOBELA


Já foi criado um Blog contra as obras na Rua Anita Garibaldi: Anita Mais Verde